terça-feira, abril 24, 2007

Evocar a Revolução dos Cravos


Passaram já 33 anos sobre a Revolução do 25 de Abril, muitos, de nós, dos que escrevemos para este Blog ainda não éramos nascidos, outros éramos muito novos, no meu caso tinha 9 anos e as minhas lembranças estão ainda muito vivas na minha memória .
Foi de facto um dia muito diferente, senti que algo tinha acontecido, e essa mudança onde mais a notei foi no meu Pai. Esses tempos foram vividos por ele intensamente. Lembro-me do primeiro 1º de Maio vivido em Liberdade, foi uma coisa que não mais esquecerei, aqueles milhares de pessoas na rua gritando “Liberdade” e o “Povo Unido Nunca Mais Será Vencido”. Foram tempos maravilhosos, foi sem duvida a época mais feliz da minha juventude.
Talvez o momento que me marcou mais na minha vida, e pelo facto de ser ainda muito jovem, foi sentir muito cedo o peso da responsabilidade. O meu pai faleceu e eu passei a ser o Homem da família. O patrão dele usando daquela boa vontade para com os pobrezinhos mandou dizer à minha mãe para me mandar todos os meses lá a casa para lhe dar 500$00. Nunca entrei em casa dele, ficava sempre há porta e fazia-me esperar muitas das vezes mais de 1 hora. Sentado na escada muitas das vezes chorei, a revolta que sentia em mim. Claro que passados uns meses deixei de lá ir e disse para a minha mãe que preferia ir trabalhar para a ajudar do que me sujeitar a tal humilhação. E foi isso que aconteceu. A partir daí percebi que pertencia aquela classe pela qual o meu Pai tinha lutado toda a vida, foi nessa altura que comecei realmente a perceber que existiam dois mundos completamente diferentes os dos Explorados e o dos Exploradores.
Todos nós sabemos que a revolução de Abril libertou Portugal de quase meio século de ditadura, primeiro militar de 1926 a 1936 depois veio a de Salazar e com ela passamos a ter uma ditadura fascista. Foram suprimidas as liberdades mais elementares. Censurada a imprensa, foi reprimida violentamente qualquer tipo de oposição, os partidos políticos não existiam, tirando o Partido Nacional, no fundo foi criada uma cópia quase literal do fascismo Italiano. Foi criada a Policia Politica (PIDE/DGS) cujo intuito foi perseguir, prender, torturar todos os que se manifestassem contra este tipo de poder. Durante esse regime foram mantidos presos muitos anti-fascistas alguns deles atingiram mais de 20 anos de prisão. O Povo sofria, passava necessidades básicas, não tínhamos instrução, éramos um Povo de analfabetos cerca de 33% da população não sabia ler nem escrever. Mas contudo durante esse tempo muitos não ficaram calados e muitos esperavam ansiosamente por o dia da Liberdade. Esse dia chegou em 25 de Abril de 1974.
A definição de ditadura como ditadura fascista, a luta popular e democrática como luta anti-fascista, estão gravadas na memória e na vida nacional durante quase meio século, não apenas pelas palavras ditas e escritas e muitas das vezes cantadas, mas pela historia de 48 anos de perseguições, de prisões de torturas e de condenações, de assassinatos e da luta heróica deste Povo a que todos nós pertencemos.
Por estes motivos fico muito apreensivo quando noto hoje em dia, uma grande operação de branqueamento do que foi realmente a ditadura. Não é com a utilização de especulações teóricas elaboradas em gabinetes que se pode alterar a justa definição de ditadura fascista. Assim foi considerada pelo povo. Assim ficará na história.
Deixo aqui um dos poemas mais extraordinários feitos por um dos maiores poetas portugueses.
Viva o 25 ABRIL.
Orlando Gonçalves

6 comentários:

Paula Chorão disse...

Meu bom amigo,

Ao vivenciar um "cenário" destes, numa idade tão tenra...tão de perto, como tu vivenciaste, e passar por situações humilhantes, como tu descreves...nada disto me surpreende, porque ficamos para toda a vida marcados e tentamos dar o nosso melhor para que nada disto volte a acontecer e lutamos por uma vida melhor..., e quem ler...sente o ardor e a profundidade destas palavras, só se fôr insensível...

A mim tocaram-me profundamente, e com lágrimas as li, porque... qualquer pessoa de bom senso defende esta "revolução", com mais ou menos convicção, com ideias mais de esquerda, ou mais de direita...a base de tudo é a LIBERDADE no seu todo, por isso... meu bom amigo, assino por baixo e felicito-te pela iniciativa e dedicação com que te entregas aos teus ideiais e às tuas causas, as causas de um POVO, em busca de uma VIDA MELHOR, SEM DESIGUALDADES.

Tinha a tua idade, mas não vivenciei todo este tumulto, que foi o "25 de Abril", mas lembro-me de sofrer algumas mudânças, mas aquele "VIVER O 25 DE ABRIL"...não...não vivi, e tenho pena, porque para além de abominar a opressão e defender os mais desfavorecidos...prezo muito a LIBERDADE, (é claro que na altura, não temos a noção)...

Ainda bem que isso aconteceu, senão, não estaríamos aqui a dissertar sobre LIBERDADE, OPRESSÃO, DIFERENCIAÇÃO DE CLASSES...seríamos EXCOMUNGADOS.

Um grande abraço e

VIVA A LIBERDADE E VIVA O 25 DE ABRIL

Chora disse...

OLÀ CAMARADA,

Não fiquei indiferente ao teu artigo de opinião.
É, penso eu, interessante poder confrontar a vivencia de duas crianças, que na altura da "revolução dos cravos" tinham a mesma idade, ou seja, nove anos, sim porque embora mais novo que tu, em 25/4/1974, tambem eu tinha 9 anos, e também eu tive a felicidade de ver a explosão de alegria nas ruas.
Pelas 9 horas do dia 25 aguardava á porta da escola primária pelo professor sempre com a esperança que ele nao viesse, o que nesse dia aconteceu, as circunstancias eram desconhecidas, embora muito vagamente se falasse de algo que estaria a acontecer em Lisboa, coisa que para ser explicada a crianças de 9 anos nao seria muito motivador. Tudo isto para dizer que o dia começou muito bem, ou seja, sem aulas. Ao chegar á creche os "zunzuns" de que algo acontecera, passava ao lado de mim, pois nao entendia nem fazia muita questão, talvez mais preocupado com questões do futebol, ou mesmo com a maninha que estava tambem no infantário, e que a minha mãe insistira em que eu deveria tomar conta dela, até porque ela só parava de berrar quando o mano estava ao alcance da sua vista.
Ao chegar a casa recordo que a conversa girava em torno do mesmo, mas que raio, pensava eu, os adultos passaram-se, a pu...da televisão não dá mais nada. Recordo, isso sim, que o meu pai mostrava alguma inquietude,quiçá nervosismo.
Os dia seguintes foram de completa confusão, o ritmo de ensino escolar foi alterado, com muitos dias sem aulas, e professores preocupados mais com o que se estava a passar.
Tenho muita pena que não recorde com exatidão alguns episódios que o meu Pai diz terem acontecido, MAS RECORDO como se tivesse ontem o 1º de Maio desse ano, o meu Pai levou me á primeira manifestação livre no Estádio 1º de Maio, indiscritivel....acho que jamais irei esquecer o que vi; gostaria de partilhar com todos os que leem isto, mas nunca conseguiria retractar a imagem que tenho na cabeça. O que vi foi LOUCURA, ALEGRIA, CUMPLICIDADE E ADULTOS A COMPORTAREM COMO CRIANÇAS NUM INFANTARIO, A DIZER TUDO O QUE LHES PASSASSE NA CABEÇA, ATÉ A IDIOTICE, MAS COM A CERTEZA DE QUE NINGUEM IRIA RECRIMINAR OU PIOR PRENDER. Imaginem a cabeça de uma criança de nove anos, que confusão...
O meu Pai, Alentejano de origem e de coração, passou por aquilo que o 25 de Abril combateu,o mesmo será dizer, que depressa abraçou a causa Comunista. Os dias, semanas, meses e anos seguintes foram de debate politico em casa, com tios primos vizinhos e até desconhecidos. Depressa aprendi a respeitar a opinião daqueles que embora sem estudos, até incultos,sentiram na pele a opressão de um regime assassino.
Sou e serei sempre um homen que defenderá os mais oprimidos, e que não tolerará injustiças. Sou sem vergonha de o dizer um homen de ESQUERDA, que o tempo ensinou a respeitar outras ideologias, porque a LIBERDADE é o maior valor e responsabilidade que um Ser humano pode ter.
Por tudo isto digo bem alto OBRIGADO a todos os que um dia lutaram para que o 25 de Abril acontecesse.
VIVA A LIBERDADE....VIVA PORTUGAL

ASS.CHORA

Anónimo disse...

viva o 25 de abril nao ha forma de melhor comomorar do que ir a manifestaçao e lutar contra as politicas de direita deste governo 25 de abril sempre

Stranger disse...

Amigo,
Essa tua força nasceu cedo! A vida ensina ou já nascemos ensinados?
O mundo visto pelos olhos das crianças que se tornam homens e mulheres muito cedo é duro mas arrisco-me a dizer que é belo porque daí nasceu a sua (nossa) força.
Quando se luta por alguma coisa, mesmo que a vida não nos recompense, temos a certeza de que é esse o caminho certo e, pelo menos comigo, é isso que me faz dormir bem e poder olhar-me ao espelho todas as manhãs. É claro que às vezes temos as nossas dúvidas (“Que força é essa, que força é essa amigo, que te faz estar de bem com os outros e de mal contigo” - lembras-te?) mas é assim a vida.
Admiro muito a tua força e espero que a vida te dê todas as alegrias que mereces!
Beijo grande,
Filomena

Conceicao disse...

Querido Orlando,

sinceramente, adorei a tua história, que me comoveu bastante. Como tu, também eu tinha 9 anos nessa altura, mas como estava emigrada com os meus pais, todos estes fortes acontecimentos e sentimentos passaram-me bastante ao lado. Só me apercebi realmente que algo de muito importante tinha mudado quando chegámos em Julho à fronteira de Vilar Formoso e em vez de demorarmos 3,4 ou 5 horas na revista ao carro, o meu pai voltou do escritório da alfândega com um sorriso de orelha a orelha dizendo que podíamos seguir ! (demorou 5 minutos !!). Imediatamente me levantei da almofada (que tapava um simples rádio, mas que seria concerteza confiscado, se o descobrissem) e esperei ansiosamente a sua explicação: "Vocês não vão acreditar, mas esta gente realmente está livre !! As notícias que ouvimos estavam correctas! Eu não acreditei, mas agora percebo - Inacreditável!" Não entendendo muito bem o que ele queria dizer com "esta gente está realmente livre" porque por muito que me esforçasse, não conseguia imaginar tal opressão que se vivia cá (não estar livre para mim era como se estivesse realmente preso – no edifício que é a prisão!), porque sendo Alemanha um país com tanta liberdade, tudo o resto era imcompreensível para uma criança de 9 anos, perguntei-lhe o que isso quereria dizer e então o meu pai explicou-me as muitas coisas que o povo português tinha sido privado durante todos esses anos e que agora tinha acabado - o povo estava livre! Nessas férias não se falou noutra coisa - em todo o lado - na praia, nos restaurantes, tv, rádio, amigos, familia. Realmente só quem passa por esse tipo de opressões, consegue compreender o que é não ter liberdade. Sempre tentei compreeder esse sentimento e tentei sentir um pouco o que as pessoas sentiam nessa época, mas é realmente difícil - sermos privados das coisas mais básicas da nossa vida é realmente incompreensível. Também acho que hoje a maior parte dos jovens não dão importância ao 25 de Abril, porque não conseguem realmente imaginar o que é “não ter liberdade para nada”! – é um sentimento que não conseguem avaliar ou quantificar.
Apoio plenamente a frase da Paula: "... qualquer pessoa de bom senso defende esta "revolução", com mais ou menos convicção, com ideias mais de esquerda, ou mais de direita...a base de tudo é a LIBERDADE no seu todo...". Viva o 25 de Abril!
Beijinhos,
São

Anónimo disse...

Camarada Amigo,

Desconhecia esta tua história comovente mas é o somatório de alguns episódios como este que te fizeram uma excelente pessoa que eu estimo e admiro do fundo do coração.

Viva a liberdade! Abaixo o comunismo e o fascismo.

Saúl